terça-feira, 14 de junho de 2011

O COTIDIANO DA GUERRA...


O PARANÁ E CURITIBA NA GUERRA
(por Zélia Maria Nascimento Sell)

O COTIDIANO DE CURITIBA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL:

Blecautes, rádios confiscados,proibição de viagens ao litoral, racionamentos...por tudo isto passaram os curitibanos durante a Segunda Guerra Mundial e são unânimes em uma opinião : esperam que nunca mais se repita...
_”Menino, cuidado com o que vai dizer lá fora! Nós somos estrangeiros!”
Esta advertência era feita com frequência às crianças ,muita vezes hostilizadas por se
Revelarem estrangeiras e “inimigas do Eixo”.
Curitiba hoje é membro da Associação das Cidades pela Paz Mundial , com sede em Hiroshima, e apoia  todas as iniciativas dos governos pela paz Mundial.
Os acontecimentos relacionados à Segunda Grande Guerra foram registrados exaustivamente pelas fontes oficiais, imprensa, cinema e jornais.
 Jornalistas e pracinhas que vivenciaram o conflito escreveram centenas de livros.
Mas o que ficou muito marcado foi a memória  da população civil, em especial no sul do Brasil, onde o grande número de imigrantes  dos países do Eixo   e descendentes ocasionou lembranças amargas.
Na vida cotidiana, o alto custo de vida, o racionamento do trigo, do açúcar, do sabão,dos combustíveis , os exercícios de blecaute  e os quebra- quebras contra imigrantes originaram traumas presentes até hoje.
As campanhas de arrecadação e a despedida dos pracinhas – muitas vezes se deslocando na calada da noite, para não causarem  maior comoção -, as notícias ouvidas às escondidas no rádio e o Dia da Vitória com o término da guerra ficaram para sempre na nossa história.
Cada cidade guarda até hoje as cicatrizes desses momentos.
O Brasil vivia sob o regime ditatorial do presidente Getúlio Vargas ,que governava , desde 1937, através de decretos. Nos estados, nomeou interventores e os militares apoiavam a modernização do país,segundo o Boletim da Casa da Memória.
Em 1935 o Brasil assinou acordo comercial com os Estados Unidos e no ano seguinte com a Alemanha para exportar algodão, café, cítricos, couro, tabaco e carnes.
Mas temeroso com o avanço da Alemanha, os Estados Unidos pressionaram o Brasil para não se aliar a Hitler.
De olho no nordeste brasileiro, ponto estratégico de acesso ao norte da África,promoveram as Conferências Pan- Americanas onde se deu a aproximação.
Em 1941, após a criação da Companhia Siderúrgica Nacional , tropas americanas se estabeleceram em Natal onde foi instalada a base aérea .
E a participação brasileira se concretizou junto aos aliados pelo envio da Força Expedicionária Brasileira para combater o exército alemão em território italiano.
Partindo em julho de 1944 sob o comando do General Mascarenhas de Moraes, nossos pracinhas ficaram 11 meses na Itália. Lá, apesar do pouco preparo e péssimas condições de equipamentos, vestimentas, etc., conquistaram Montecastelo, Castelnuovo e Montese.
Dos 25 mil soldados brasileiros, cerca de 2mil eram paranaenses,entre eles Thomas Walter Iwersen, Ogênio Trevisan e Max Wolf Filho, nosso maior herói falecido em combate e cuja família, infelizmente foi aqui hostilizada por ser estrangeira.
Das 67 enfermeiras, 9 eram paranaenses.Virginia Leite, a única ainda viva se debulha em lágrimas ao lembrar das cenas de guerra.
REPRESSÃO AOS IMIGRANTES
Entre os traumas de guerra sentidos pela população civil  um dos piores foi a perseguição aos estrangeiros.
Na década de 40 Curitiba tinha 140 mil habitantes e cerca de 20 bairros com muitos imigrantes principalmente alemães, italianos e poloneses.
O torpedeamento dos navios brasileiros pelo governo alemão levou a população a se revoltar contra os países do Eixo e seus habitantes.
O movimento começou com passeatas de estudantes em São Paulo e Rio de Janeiro.
Imediatamente passaram a ser substituídos os nomes de logradouros públicos, escolas, clubes, e o idioma estrangeiro foi terminantemente proibido.
Em Curitiba, na data de 19 de março de 1942 o jornal “Gazeta do Povo” relata  que cerca de mil pessoas se reuniram na Praça Osório e saíram pelas ruas invadindo e depredando estabelecimentos comerciais , bancos, indústrias e clubes pertencentes a italianos, alemães e japoneses. Não escaparam a Impressora Paranaense e a perfumaria “Lá no Luhm”.
Rádios pessoais foram lacrados e só pegavam a PRB2.
Residências suntuosas e clubes como o Clube Concórdia, Rio Branco  e a Sociedade Garibaldi foram confiscados.
Conta –se  que pianos foram jogados do alto de palcos e partidas de futebol disputadas nos suntuosos  salões de baile.
Sob denúncias de “Quinta Coluna” membros de tradicionais famílias foram presos por meses ou enviados ao presídio da Ilha Grande até o final da guerra.
Até as almofadas bordadas por uma senhora alemã com as cores vermelho, amarelo e preto foi confiscada.
Poloneses eram confundidos com alemães e tinham de depor no Quartel general instalado no edifício do Solar do Barão.Qualquer pessoa clara era chamada de “quinta coluna”na rua.
Até duas senhoras judias foram confundidas porque falavam em ídiche, e o mesmo ocorreu com ingleses, franceses, holandeses e ucranianos.
Uma senhora bem idosa, japonesa, foi à Praça Tiradentes comprar um par de sapatos e terminou presa por não conseguir se expressar em bom português.
A Loja Musseline, de tecidos, teve seu nome trocado por “Etam” pela semelhança com o nome de Mussolini.
Freiras do Colégio Sion foram presas quando voltavam de piquenique no Morro do Anhangava e acusadas de “ espiãs nazistas”.
De acordo com a Delegacia de Ordem Política e Social –DOPS – cujos arquivos foram recentemente disponibilizados à pesquisa no Arquivo Público do Estado do Paraná, “a intervenção nas sociedades italo-germânicas  foi necessária por elas serem consideradas prejudiciais aos interesses nacionais”.
OS JAPONESES
Os imigrantes japoneses moravam em pequenas chácaras nos arredores de Curitiba .
Seu Consulado, na Praça Carlos Gomes, foi fechado .
Os que moravam no litoral, acusados de espiões para submarinos japoneses, tiveram suas casas invadidas ,saqueadas e até incendiadas.Expulsos de suas residências em Paranaguá, Antonina e Morretes, ficaram confinados na região de Curitiba, seus filhos foram enviados para colégios distantes e –por incrível que pareça – alguns foram convocados para o exército como “cidadãos brasileiros”.
O escritor Cláudio Seto, hoje falecido ,juntamente com Maria Helena Uyeda,   relatam detalhes em seu livro “AYumi”, hoje esgotado.
Em outro livro, intiulado  “Mulheres Escrevem” editado em Curitiba  pelo Centro Paranaense Feminino de Cultura em 1997, Olga Anna Walczewicz Gioppo ,secretária do centyro, na época, comenta em seu artigo intitulado “Marcas”o que sentiu como adolescente durante a guerra:
“No final da década de 30 fui matriculada no Colégio Nossa Senhora de Lourdes – francês – e nele permaneci até completar os estudos em 1949.”
“É do conhecimento de todos que a invasão da Polônia  determinou o início da Segunda Guerra Mundial. O III Reich ,com aparelhagem moderna, massacrou o exército polonês em setembro de 1939. Apesar da brava resistência, aproximou-se  de Varsóvia, e no mesmo mês a Polônia ainda foi invadida pelos russos.
 Unidos,  união Soviética e Alemanha finalizaram a rendição deste sofrido país, onde mais de 20 mil cidadãos foram mortos e mais de um milhão foram feitos prisioneiros.”
   “Sou filha de pai polonês ,nascido e criado em Lublin, cidade vizinha de Varsóvia  , e sou filha de mãe polonesa pelo lado materno e alemã pelo lado paterno.
Meu avô nasceu em Berlim, e todos os parentes próximos viviam em Lublin ou Varsóvia.”
“Nosso sofrimento  aqui no Brasil mesclava a dor com a impossibilidade de fazer algo por eles. Cartas raras e violadas chegavam trazendo notícias da fome, dos subterrâneos,  da destruição e da morte.”
“Em maio de 1940 Adolf Hitler com seu exército nazista, já se vingando da humilhação sofrida na I Guerra Mundial ,resolveu ocupar a França e no dia 14 a bandeira com a suástica já tremulava no alto da  Torre Eiffel.”
“Eu era aluna do Colégio Cajuru (Nossa Senhora de Loudes), criado e dirigido por irmãs francesas , e o que acontecia na Europa repercutia ali. Os sinos tocavam e nós nos ajoelhávamos na pedra fria do pátio: a dor da França era a das irmãs e era a nossa...”
“Em julho de 1940 a Itália declarou guerra à França e Grã-Bretanha.
Aqui em Curitiba quatro irmãs de minha mãe eram casadas com italianos.
Os conflitos se agravavam e nós, do sul do Brasil, sofríamos com os horrores da Europa.
“Depois de ter seus navios mercantes afundados na costa brasileira por submarinos alemães, o Brasil declarou guerra à Alemanha em 1942.
 E nós, filhos de europeus,entramos nessa história. Na provinciana Curitiba o rádio, transmitindo o noticiário da BBC de Londres era o principal meio de comunicação.
E onde o alemão era vizinho do polaco, casado com a italiana, formando famílias, as crianças nas escolas não entendiam mais nada.”
“O Brasil passou a preparar seus soldados  para integrarem a Força Expedicionária Brasileira e o irmão mais novo de minha mãe se apresentou como voluntário ao lado de tantos outros paranaenses, incluindo nossas valorosas enfermeiras. Era meu tio, meu amigo e preparei-me para acenar-lhe um adeus quando o trem partisse, mas o trem saiu silencioso na madrugada, sem o meu adeus...chorei muito!”
“Chorei muito e senti medo quando da invasão das lojas e casas que tiveram  pertences saqueados. Quando depredaram o Armazém Zanier da Rua Sete de Setembro soube que nunca mais teria minhas guloseimas enviadas com as compras do mês...”
“Orgulhosa, eu entrava nas filas dos caminhões do exército para conseguir açúcar,
E sentia novamente medo e pavor quando entregaram em nossa casa, escondido,de madrugada,um saco de trigo argentino camuflado em um monte de feno para minha mãe fazer pão...
Nas noites de blecaute as sirenes tocavam e devíamos ficar em silêncio e às escuras ,quando os aviões levantavam vôo do Aeroporto do Bacacheri carregados com sacos de areia jogados onde houvesse luz.”
  “Envolvida com tantos acontecimentos, dividia meu coração : queria entender porque  havia aqueles pessoas – sangue do nosso sangue – que tudo perdiam na Europa, ou que não mandavam mais notícias, ou que estavam em campos de concentração, ou mortos...queria entender porque rezava tanto pela França desconhecida, porque guardava silêncio diante de meus tios italianos, porque as cartas emocionadas ao tio brasileiro com sobrenome alemão , porque eu queria mesmo brincar e sonhar, sonhar que era famosa e cantava para alegrar os soldados no front...”
“Felizmente os terríveis anos passaram e a notícia da vitória dos aliados chegou na manhã de 8 de maio de 1945. Os sinos repicavam, sirenes disparavam, trens apitavam .E os corações se libertaram para as comemorações Cantávamos .Rezávamos. Abraçávamos.
Lágrimas de alegria rolavam em nossas faces. Precisei fazer algo e, naquele momento, lancei para o teto o tinteiro de minha carteira ... e assim participei da emoção coletiva pela liberdade renascida...”  


O BAILE DA VITÓRIA
Entre as lembranças de guerra da população civil a única alegre é a do Dia da Vitória, 8 de Maio,quando os sinos tocavam e  as pessoas se abraçavam e dançavam nas ruas.
Em Curitiba a Sociedade Thalia promoveu um Baile no dia 24 de maio , o “Baile da Vitória”,que congregou uma multidão que esbanjou uma felicidade incomum.Três meses depois chegaram os nossos pracinhas. 
Mas  pessoas nunca mais seriam as mesmas...

(Fontes: Boletim da Casa da Memória da Fundação Cultural de Curitiba e "Mulheres Escrevem",do Centro Paranaense Feminino de Cultura) .

Nenhum comentário: